quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Um soldado






"Querida mãe,
    não sei se algum dia esta carta chegará às tuas mãos, mas, se porventura chegar, queria que soubesse, acima de tudo, que eu a amo. Sei que há tempos não lhe digo isso e que o amor, aquele verdadeiro e sentido em todo seu esplendor, não é mais sentido com tanta frequência. Mesmo entre pais e filhos. Entretanto, eu a amo. A amo de todas as maneiras que meu ser é capaz,
    Depois de meses neste lugar -- que não posso dizer onde fica --, penso cada vez mais em você. Nos dias em que passamos juntos, nas vezes que tive medo e você segurou minha mãos...
    Estou com medo agora, mãe. Estou com muito medo e não tenho você para me acalmar.
     Entrei nesta guerra por ideais e valores que já não sei se me pertencem de verdade. Não acredito mais na veracidade dessa ideologia que me faz matar pessoas que não concordam com ela. Se algum dia eu, que pertenço à nossa pátria de corpo e alma a ponto de arriscar minha vida por ela, deixar de pensar como "os grandes", me tornarei inimigo também? Já não sei.
    Todos os dias vejo pessoas morrendo. Sei que isso é esperado em uma guerra, mas a realidade é muito, muito pior. Já não suporto mais. Ontem, vi um companheiro à beira da morte, tentei ajudá-lo, mas sua vida já se ia do corpo. A única coisa que conseguia dizer era que eu deveria achar sua filha e dizer que ele sentia saudades. Por fim, fechou os olhos e se foi. Mãe, ele fora fuzilado e mutilado.
     E eu nem sei como cumprir seu pedido. Nem sequer sei seu nome. Tive que deixar seu corpo, ali no meio da frente de ataque, pois já havia ficado muito tempo ali e era perigoso demais. Então, resolvi escrever-lhe, por ele e por mim. Se mais uma família souber a saudade que os que estão aqui sentem, talvez a alma daquele homem descanse um pouco mais em paz.
     Mamãe -- nossa! Não lhe chamo assim desde criança. Por quê? Por que deixei tanto de demonstrar meu afeto por você? Agora estou me martirizando pelas vezes que pude lhe abraçar, mas não o fiz --, como eu queria te abraçar agora!
     Sentir aquele seu cheiro de panquecas frescas e poder comer aquele taco que só você sabe fazer...
     Talvez quando minhas autoridade lerem este texto, o impeçam de chegar no destinatário, mas  ainda assim estarei feliz. Posso me iludir que você conhece essas palavras e que chorou ao lê-las, sussurrando baixinho que me ama também. Estarei mais confortável pensando assim.
     Caso eu morra, você pelo menos saberá o quanto lhe amei, que meu último pensamento foi "mãe". No entanto, se algum dia nos reencontrarmos lhe abraçarei por mais de meia hora -- agora eu sei como eu sinto falta do seu abraço --, isso é uma promessa. Por favor, cobre-me.


                                                                                            Com amor,
                                                                                                           Michael.
PS: Se sentir minha falta, à noite olhe para lua --  lembra quando eu pensei que ela era feita de queijo? -- eu estarei olhando para ela também.Sonhando com o dia que ela reflita seu rosto.



Por: Juliene Lobato da Silva

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